Comunicação bomba suja no Maranhão!
POR JORNAL VIAS DE FATO – No último dia 7 de maio, o Jornal Pequeno publicou uma matéria, com chamada de primeira página, onde está dito que Flávio Dino, segundo uma pesquisa que teria sido feita pelo site G1, seria hoje um dos dois governadores do Brasil que tem mais “promessas de campanha total ou parcialmente cumpridas”. Ao observar esta pesquisa, perguntamos como estaria a avaliação do atual governador maranhense no que se refere à Comunicação Social, uma área fundamental para a democratização do Estado e o rompimento da estrutura oligárquica.
Logo depois que Flávio Dino se elegeu governador do Maranhão, em novembro de 2014, antes de tomar posse, ele deu uma entrevista ao programa Observatório da Imprensa (TV Brasil), onde afirmou que pretendia conduzir a comunicação do seu governo “de maneira profundamente democrática”, com “apoio a outras redes de comunicação”, porque este seria “o modo de autenticamente romper com a oligarquia,” de “alterar uma cultura política”. Segundo Flávio Dino, nesta mesma entrevista, seu governo faria com que, em relação à comunicação, o poder fosse fracionado, pertencendo ao cidadão. Ao governo caberia “facilitar, possibilitar, ativar, estimular, para horizontalizar as relações de poder”, fundando uma “nova institucionalidade”. Em agosto de 2013, no 5º Congresso Estadual de Rádios Comunitárias do Maranhão, ainda na fase de pré-campanha eleitoral, o mesmo Flávio Dino, ao falar de mídia, disse que “é necessário reverter esse modelo que hoje concentra renda e poder. Uma comunicação democrática fortalece a sociedade, pois as vozes dos excluídos, dos invisíveis, dos esquecidos podem e devem ser ouvidas”. Esta declaração foi reproduzida no site oficial do PCdoB, o Portal Vermelho. Todo esse discurso foi muito bonito e sua avaliação, na época, oscilou desde o otimismo exagerado de uns, até o ceticismo absoluto de outros.
A questão hoje, em 2017, é medir o fosso que separa as palavras da campanha de Flávio das ações do atual governo. É saber se, em relação à comunicação, o governador está cumprindo com suas promessas. Se ele deu passos no sentido de democratizar a mídia no Maranhão.
A Policia Federal revelou, no dia 21 de março de 2017, uma investigação que envolve um servidor da própria PF (que estava exercendo cargo de secretário-adjunto no governo estadual) e um grupo de editores de blogs, suspeitos de estarem extorquindo dinheiro de políticos e empresários. O caso repercutiu e suscitou várias opiniões sobre um antigo modo de (não) fazer jornalismo, baseado em chantagens e no velho jabá (a propina, no jargão da imprensa). No meio das notícias e pedidos de prisão, mesmo que venha a ser comprovado algum delito, esses blogueiros nos parecem peixes menores, se comparados aos poderosos tubarões da mídia maranhense, os velhos e os novos.
Sobre esse assunto ligado à mídia maranhense, no dia 1º de janeiro deste ano de 2017, o atual governador do Maranhão, Flávio Dino, publicou artigo no Jornal Pequeno prestando contas do seu mandato. Nesse texto ele diz: “Estamos também mostrando ao país que nós repudiamos a imagem de falcatruas que tanto mancharam nosso passado, por força de uma elite que sugou os recursos do Estado para construir impérios de mídia e fortunas pessoais inimagináveis, que mantêm sucessivas gerações sem trabalhar, vivendo só de heranças”.
A afirmação do governador nos remete a uma outra investigação da Polícia Federal, quando a mesma afirmou, em inquérito aberto na década passada, que o empresário Fernando Sarney, o homem que comanda o Sistema Mirante de Comunicação, seria “chefe de uma organização criminosa”. Na época, o assunto repercutiu nos quatro cantos do Brasil, mas Fernando Sarney conseguiu escapar de condenação judicial e não passou pelo constrangimento de um pedido de prisão. Roseana Sarney foi governadora do Maranhão quatro vezes. Nesse período, o governo do Estado repassou rios de dinheiro para a Mirante, o sistema de comunicação que reúne empresas da família de Sarney. A montagem desse sistema iniciou no começo da década de 1970, quando Sarney já era um ex-governador e comprou o jornal O Dia, logo depois rebatizado de O Estado do Maranhão. Na década de 1980, surgem a Rádio e a TV Mirante. Em 1991, Sarney associa-se à Rede Globo e consolida a força do seu grupo midiático. Naquele ano de 1991, o SBT (que, até então, era transmitido pelo sinal da Mirante de Sarney) vinculou-se ao então governador Edison Lobão, através da TV Difusora, quando esta foi comprada por Edinho Lobão, que exercia a função de secretário particular do pai governador. A montagem desse arsenal midiático no Maranhão passou, sem dúvida, pela drenagem de recursos públicos, que abarrotaram os cofres da oligarquia, por intermédio de agências de propaganda, criando os “impérios de mídia”, citados no artigo de Flávio Dino. Em duas décadas, o Maranhão tornou-se o Estado brasileiro com maior concentração midiática, conforme atesta o trabalho apresentado, em 2002, na revista Caros Amigos, pelos pesquisadores Daniel Herz, Pedro Luiz Osorio e James Görgem. O título que apresentou a pesquisa foi: “Aqui a democracia não entra”.
Hoje, já em meados do terceiro ano do mandato do atual governador maranhense, o Sistema Mirante/Sarney recebe rotineiramente vários anúncios do governo estadual, muitos deles feitos em “horário nobre”, a peso de ouro. Além disso, a TV Difusora, de Lobão, devidamente patrocinada pelo mesmo governo do Estado, tornou-se porta voz do Palácio dos Leões, depois que passou a ser controlada, em 2016, pelo deputado federal Weverton Rocha (PDT), antigo dirigente da UMES, conhecido “pela obra” que (não) fez no ginásio Costa Rodrigues, por agir em favor de grileiros de terras e de madeireiros, contra os interesses do povo indígena Awá Guajá. Recentemente, no último dia 28 de março, este deputado tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal, por conta da obra não realizada no Costa Rodrigues. O Ministério Público Federal lhe acusa de crimes “de violação à Lei de Licitações e peculato”. Quem representa Weverton na Difusora, após o acordo com Edinho Lobão, é o mordomo Zeca Pinheiro, o mesmo que foi secretário de comunicação do governo de Jackson Lago e, logo depois da morte do ex-governador, foi nomeado por José Sarney como assessor do Senado Federal. Aliado preferencial de Flávio Dino, Weverton Rocha, que hoje é uma espécie de dono do PDT, estaria planejando ocupar o lugar de Edison Lobão na política maranhense: ele quer ser senador da República e proprietário da TV Difusora. Se assim como Fernando Sarney ele conseguir escapar da Justiça, teremos no Maranhão um novo “imperador de mídia”? É isso mesmo? É a “nova” institucionalidade?
Segundo o Portal da Transparência do governo do Maranhão, somente em 2016, a Secretaria de Comunicação do Estado empenhou um total de R$ 91.950.417,16 (noventa e um milhões, novecentos e cinquenta mil, quatrocentos e dezessete reais e dezesseis centavos). Desse montante, já em 2016 foram pagos 55.107.100,04 (cinquenta e cinco milhões, cento e sete mil, cem reais e quatro centavos). Uma parte significativa desse recurso foi para agências de propaganda, entre elas a Clara, a Mallmann e a Eurofort. São essas agências que repassaram o dinheiro para os veículos de comunicação. Existe ainda um contrato de R$ 3.555.000,00 (três milhões, quinhentos e cinquenta e cinco mil reais) entre a EMAP, a empresa que administra o Porto do Itaqui e a baiana Leiaute Comunicação e Propaganda, que começou a vigorar desde junho de 2016. A contemplada foi a mesma que fez a propaganda eleitoral do governador nas eleições de 2014. Existe também um contrato com a Informe Comunicação, que atua nacionalmente na gestão da imagem do governador.
Aí vem outras perguntas: qual o critério dos gastos com propaganda? Quanto foi passado, exatamente, para as poderosas Mirante e Difusora? Existe uma absoluta transparência nessa relação que envolve muita grana e muitos interesses? Alguém ouviu a sociedade, a dona do dinheiro? Houve participação social? Foi feita uma única conferência estadual de comunicação? Foi lançado algum edital público, verdadeiramente inclusivo, que saia da lógica das agências? Foi dado algum passo em direção a uma “nova institucionalidade”? Houve um fortalecimento das “frações de poder”? Um desaparelhamento por parte do governo? Ou o padrão adotado por Flávio Dino, na comunicação, tem sido tradicional e atrasado? Um padrão inclusive autoritário?
Um aspecto de “modernidade” evidenciado na comunicação do atual governo maranhense é o uso sistemático (de certo modo ansioso, precipitado, sôfrego) das redes sociais, onde a argumentação política, em vários casos, foi substituída pela violência ou tentativa de desqualificação contra quem denuncia, critica ou pensa diferente do governo.
O artigo do governador, publicado no início deste ano, onde ele fala de uma “elite que sugou os recursos do estado”, através de “impérios de mídia” e “falcatruas”, montando “fortunas pessoais inimagináveis” é, nesse ponto específico, radicalmente verdadeiro. E antes desse artigo, ainda em 2014, o mesmo Flávio Dino já falava sobre o “direito humano à comunicação”, dizendo que para “romper com a oligarquia” era preciso “apoiar outras redes de comunicação”. Passaram-se mais de dois anos… Não faz sentido, então, o governo maranhense continuar financiando (com o dinheiro de um povo pobre!) uma elite que o próprio governador ainda crítica, denuncia e criminaliza. Ou faz sentido?
A audiência da Globo ou do SBT logo aparecerão como argumento dos interessados nesse tipo de negócio. Essa audiência justificaria a montanha de dinheiro público repassada para a Mirante (Sarney) e Difusora (Lobão/Weverton). Esse argumento, conservador, equivocado e/ou interesseiro, foi chamado de “poder ‘naturalizado’ da grande mídia”, denunciado pelo jornalista Altamiro Borges, no livro “A ditadura da mídia”, lançado em 2009, onde ele fala que num processo de democratização da sociedade brasileira é necessário um “reforço dos veículos alternativos”. O livro de Altamiro (atual secretário nacional de mídia do Comitê Central do PC do B) foi feito sob o clima da I Conferência Nacional de Comunicação, organizada pelo segundo governo Lula.
No que se refere a uma comunicação alternativa, idealizada para ser democrática e popular, temos hoje, no Maranhão, uma insatisfação do movimento estadual de rádios comunitárias. Afinal, existe alguma ação concreta, efetiva, no sentido de fortalecer essas rádios? Não estamos falando aqui de aparelhamento governista ou partidário. A pergunta é quanto a ações que possam garantir a autonomia das que são realmente comunitárias. Está sendo criado algum novo espaço público, verdadeiramente popular e anti-oligárquico? Ou tudo que temos é a tosca orquestração chapa branca? Foi fracionado o poder em favor do cidadão?
Alguns blogs locais também tem propagandas do governo Flávio Dino. Novamente vem a pergunta: qual o critério para a contratação desses espaços? O que se percebe é o alinhamento político evidente entre esses blogs e o atual governo. Esse é o critério? É fazer parte de um projeto de poder de um grupo político específico? Não superamos o antigo tripé Governo/VCR/AB Propaganda/Mirante?
Numa comparação com um passado recente, alguns podem argumentar que Flávio Dino não é dono de rádio, jornal ou TV. É verdade, mas a questão aqui é a relação do governo que ele comanda (e que prometeu mudanças) com todo um status quo e uma cultura política que ele sugere ao mundo que estaria enfrentando. Qual foi a mudança substantiva do modus operandi? No que se refere à mudança prometida por Flávio Dino, qual o sinal de criatividade ou inovação na área de comunicação? De uma efetiva democratização?
A antiga Rádio Timbira, por exemplo, de propriedade do Estado, foi sucateada pelos governos Roseana. O atual governo reativou essa emissora, que começou a se reerguer sob o comando do jornalista Ribamar Prazeres, profissional com reconhecida capacidade intelectual. De repente, agora, no início de março, o governo resolve mudar o diretor da rádio. Qual motivo? O afastamento de Prazeres coincidiu com a chegada de um novo secretário adjunto de comunicação (que “obrigou” um novo arranjo interno) e com uma parceria esdrúxula, bancada pelo comando do governo, feita entre a Rádio Timbira e a Rádio Difusora FM. Por que a Difusora? Qual a justificativa? É o poder de Weverton Rocha junto ao governo Flávio Dino? Então nós temos, realmente, um novo “imperador de mídias” no Maranhão? É isso governador? Ou a antiga Difusora de Lobão agora é paraestatal?
No último dia 22 de março, em meio ao enorme falatório em torno da ida do grupo de blogueiros maranhenses a Policia Federal, o jornalista Ed Wilson Araújo, professor do curso de Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, perguntou, em seu blog, se “o Ministério Público e a Polícia Federal podem se interessar por esse fenômeno: de onde sai o dinheiro que paga o arrendamento do Sistema Difusora de Comunicação?”. O professor/comunicador lembra também que “emissoras de rádio e TV são concessões públicas e não podem ser arrendadas”. A provocação é válida, até para cobrar o serviço de quem deve fiscalizar e investigar.
No meio de tudo isso, a questão central é a necessidade de um debate sobre a comunicação, um tema tão importante num estado conhecido por sua brutal dominação oligárquica. São coisas que precisam ser debatidas de modo republicano, para usar uma expressão que o atual governador utilizou muito na campanha e no seu discurso de posse. Existem aí pontos fundamentais para que haja algum tipo de avanço. São eles:
(1) É importante fazer uma avaliação honesta, desapaixonada, independente e sem demagogia sobre as promessas de campanha de Flávio Dino para o setor de comunicação;
(2) A evidente necessidade de democratização da comunicação no Maranhão passa pela discussão do orçamento do estado para o setor. Passa por abrir essa velha “caixa preta”, que possibilitou a existência dos impérios de mídia;
(3) Existe a necessidade de transparência absoluta dos eternos gastos milionários do Estado com a propaganda. Aí entra a relação entre as agências e os veículos, sendo fundamental saber quem paga quem e quem recebe de quem. Quanto cada um paga (as agências) e quanto cada um recebe (os veículos). É preciso saber se, como nos velhos tempos, ainda tem agência no Maranhão atuando a serviço de um veículo específico, como lobista, testa de ferro ou sócio informal;
(4) É preciso um debate sobre quais os critérios para a escolha de todos os veículos onde são veiculadas as propagandas do governo, isto é, onde é investido o dinheiro público, o dinheiro do cidadão. Isso inclui rádio, jornal, TV, busdoor, todos os espaços na internet. Nesse ponto a transparência tem que ser total! Tem que ter uma lista mensal com todos os veículos que recebem e quanto eles recebem.
(5) É importante dar consequência política à afirmação do atual governador relativa a repudiar “falcatruas”, promovidas por “uma elite” que “sugou os recursos do estado”, construindo “impérios de mídia” e “fortunas inimagináveis”.
Quem se habilita a debater essas questões? Quais os setores da sociedade civil? Quais os setores da mídia? Quem tem autonomia? O Ministério Público, como sugeriu Ed Wilson? Alguém na Assembleia Legislativa teria independência para isso? Ou esse vai ser mais um assunto fantasma? O deputado estadual Eduardo Braide, por exemplo, na eleição municipal, falou dos gastos excessivos de Holanda Junior com propaganda. E os gastos do governo estadual? Qual o ganho da sociedade com esse investimento midiático? Hoje, o nível do “debate” é muito baixo. Este ano, o senador Roberto Rocha (eleito pelas mãos de Flávio Dino) disse, nas redes sociais, que o atual governador tem “financiado o comunismo internacional”. É pacóvia pura! Sobre os ganhos de Fernando Sarney e os negócios entre Edinho Lobão e Weverton, “o senador da mudança”, outro que é dono de empresas de rádio e TV, não dá um pio. A verdade é que um senador oligárquico não tem autoridade para debater comunicação pública.
E finalizando essa nossa conversa, caro leitor, lembramos que no final de 2016, o professor e cientista político Flávio Reis fez um longo e bem alinhavado texto, analisando a atual conjuntura do Maranhão, a partir de artigos e entrevistas do historiador Wagner Cabral da Costa (leia no
www.viasdefato.jor.br). Nesse texto, Flavio Reis diz que “a promessa de ´republicanizar` o estado parece não ter passado do discurso de posse do governador”. O cientista político cita um artigo de Wagner de 2009, onde o historiador trata da “bomba suja” na política maranhense. A expressão “bomba suja”, utilizada por Wagner há oito anos, é uma metáfora interessante, pois remete à contaminação (sujeira) de um ambiente político. O historiador argumenta que “a bomba suja sempre esteve presente enquanto dado estrutural” no Maranhão. A milionária mídia local tornou-se instrumento fundamental para a detonação dessa bomba.
Mexer na comunicação maranhense e sua relação umbilical com as verbas públicas, é mexer na estrutura oligárquica, como foi dito por Flávio Dino, em 2014, no Observatório da Imprensa. A questão é saber: Quem quer abrir mão da sujeira? Quem quer, verdadeiramente, romper com uma estrutura? Quem quer, sem demagogia, a mudança de uma cultura política? Qual o governo que quer, de fato, empoderar a sociedade? Qual governo quer fortalecê-la diante de conflitos permanentes com uma elite que se cria a partir de sua capacidade de parasitar o Estado?