segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O QUE NÃO FAZ UMA ESPINHA DE PEIXE.

Aymoré Alvim, AMM, ALL, IHGM, APLAC.
Corria o ano de 1964. Eu fazia o quarto ano médico e era acadêmico plantonista, na equipe do Dr. João Abreu Reis, no Pronto Socorro de São Luís. Na época, era o único que existia para toda a Ilha. Era um prédio de dois pavimentos que ficava à Rua do Passeio esquina com a Rua da Palha, em frente ao atual prédio do SENAC.
Numa noite, chegou por volta das 23 horas uma senhora, moradora numa das palafitas do Bairro do Matadouro pedindo socorro para o marido.
Dr. João Abreu veio atendê-la: De que se trata?
- “Ah! Doutor, meu marido comeu, dois dias atrás de noite, um peixe e disse que uma coisa engatou no “gurguminho” dele. No começo, a gente pensou que era caroço de farinha no “goto”. Aí ele bebeu água, comeu uma banana e falou que melhorou. Mas, que nada, doutor. Hoje de manhã ele foi fazer precisão e não pôde. Se espremeu e saiu sangue. Daí pra cá esse homem não ficou mais de pé nem sentado e nem deitado. É todo tempo de boi e só gemendo. A gente já fez de tudo, mas ele diz que uma coisa tá presa nas partes de saída dele e fura. Só se é uma espinha. Hoje na “boquinha da noite”, eu fui ver. Senhor, o homem já tá é com o “cesso” quase todo de fora. Aí eu fiquei com medo e vim pedir socorro”.
- Mas, “cesso”, que é “cesso”, minha senhora?
- “Ah! Doutor, é o cesso, o forro do cu. É uma bolota vermelha já escura que tá saindo das partes dele”.
-Ah! Já deve estar fazendo prolapso de mucosa retal.
- O que, doutor?
- Nada, deixa pra lá. Aymoré, pega a ambulância e traz pra cá o paciente.
Chamei seu Nemésio motorista e seu João enfermeiro. Colocamos a mulher na ambulância e partimos rumo ao Matadouro.
Ao chegarmos, o sujeito estava de quatro sobre uma mesa, no meio da pequena sala .
- “Que diabo, mulher, tu demorou demais”.
- “Pera aí, Marcolino, não chama o nome desse renegado dentro de casa. O doutor já veio te buscar”.
- “Pra lá não vou”.
- “Como é que tu não vai, homem de Deus? O doutor vai te operar pra tirar essa espinha de ti”.
- Não vou. Como é que eu vou ficar nessa posição la no Pronto Socorro. Tu queres me desmoralizar, mulher?.
- Que seja, mas tu vais.
Com alguma dificuldade, o enfermeiro e dois outros homens da casa pegaram o paciente e o puseram, na ambulância.
Ao chegar, Dr. João Abreu examinou, fez os procedimentos indicados e o deixou internado tomando medicação.
No plantão seguinte, fiz o relato da evolução do quadro ao Dr. João Abreu, e ele observou a regressão da inflamação e da procidência retal.
- Como vais passando, Marcolino?
- Doutor, eu estou muito bem. Só a "boca do escapamento" que ainda arde um pouco quando vou fazer necessidade.
- Tudo bem. Vou te dar alta e passar essa medicação para tomares ate acabar o vidro.
- Tá bem, doutor.
- Rapaz, toma cuidado quando comeres peixe. Espinha de peixe além de “remosa” quando não engata na entrada, na saída é na certa.
- “Ah! Seu doutor. Com essa eu me emendei. Obrigado e até logo”.
- Ou ate nunca, Marcolino?

- É isso mesmo, doutor. Não quero voltar mais aqui. Até! Aymoré Alvim

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