No julgamento do Recurso
Extraordinário nº 848.826, em 10.8.2016, o plenário do Supremo Tribunal Federal
decidiu, por maioria de 6×5, que é exclusivamente da Câmara Municipal a
competência para julgar as contas de governo e as contas de gestão dos prefeitos,
cabendo ao tribunal de contas auxiliar o Poder Legislativo municipal, apenas
emitindo um parecer prévio e opinativo, o qual só deixará de prevalecer por
decisão de dois terços dos vereadores.
Esse entendimento está em desarmonia
com a posição de todos os tribunais de contas do Brasil, do Tribunal Superior
Eleitoral e do Ministério Público Federal, no sentido de que o artigo 71,
incisos I e II, da Constituição Federal submete os prefeitos a um duplo
julgamento.
As suas contas de governo – que têm
um conteúdo limitado a aspectos contábeis, orçamentários, financeiros e fiscais
– devem ser julgadas pela Câmara de Vereadores, mediante o auxílio do tribunal
de contas, que emitirá apenas um parecer prévio. As suas contas de gestão – que
se referem aos atos de ordenação de despesas – devem receber um julgamento
técnico realizado em caráter definitivo pelo tribunal de contas, mediante a
prolação de um acórdão, conforme impõe o artigo 71, II, da Constituição Federal
a todos os administradores de recursos públicos.
Essa deletéria decisão do STF retirou
a efetividade do dispositivo da Lei da Ficha Limpa que trata da inelegibilidade
decorrente da rejeição de contas públicas (art. 1º, inciso I, alínea g da Lei
das Inelegibilidades). Com efeito, a rejeição de contas públicas pelos
tribunais de contas é a causa de inelegibilidade arguída com maior frequência
nas Ações de Impugnação de Registro de Candidatura. A parte final do mencionado
dispositivo autoriza expressamente o julgamento das contas de gestão de
prefeitos diretamente pelos tribunais de contas, sem necessidade de apreciação
política pelo Parlamento Municipal.
A maioria dos estudiosos da matéria
entende que o STF descambou para uma interpretação assistemática e
reducionista. Aferrada unicamente à literalidade do artigo 31 da CF, a maioria
do STF assentou que o pronunciamento do tribunal de contas ostenta caráter
meramente opinativo. Ocorre que a leitura de um único artigo não é suficiente
para a compreensão do espírito da Lei Maior, devendo o intérprete fazer uma ponderação
entre os diversos preceitos constitucionais, em função da unidade sistêmica da
ordem jurídica. Assim, o artigo 31 deve ser interpretado em harmonia com o
artigo 71, ambos da CF/88.
O pior de tudo é que, na maiorias das
vezes, os “julgamentos políticos” realizados nas câmaras municipais são
ridicularmente cômicos, burlescos, risíveis e grotescos, em face da espantosa
dissonância verificada entre o seu resultado e o conteúdo do parecer do TCE. O
mais bizarro é que a quase totalidade dos vereadores sequer sabe o que
significa um orçamento público e não possuem conhecimento para decidir sobre o
cumprimento de normas de finanças públicas.
A decisão só STF representa um imenso
retrocesso no controle das contas governamentais e vai na contramão dos esforços
de combate à corrupção e de moralidade na gestão dos recursos públicos.
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