Foi um ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal quem, há mais de 10 anos, profetizou que se estava estabelecendo no Brasil um procedimento que iria dar muito trabalho às instituições. Era o fato de que, quando se criava um impasse político, em geral no Legislativo, estava se criando também uma oportunidade de o submeter à Justiça, uma espécie de terceira instância, dando ao STF a função de harmonizar conflitos que deviam ser resolvidos pela própria política. Era o tempo do procurador Luís Francisco, que passou a ser popularíssimo porque tomava a frente para ser o xerife das mazelas do País e da política.
A Constituição de 88 criou as figuras da ADIN, dos direitos difusos — estes até fui eu quem criou, em 1985, quando mandei a Lei da Ação Civil Pública, que deu ao Ministério Público o grande instrumento de força que hoje tem —, e das ações cautelares que agregaram ao Poder Judiciário um protagonismo muito grande. A esse protagonismo chamou o Ministro Jobim de judicialização da política. E realmente isto aconteceu, com a consequência inevitável de politização da Justiça, hoje envolvida na solução das questões maiores e mais complicadas do Executivo, com grande apelo a aquilo que Ulisses Guimarães chamou a voz das ruas.
O Brasil sempre foi acostumado ao Poder Moderador, exercido no Império pelo Imperador, assessorado pelo Conselho de Estado. Como o Imperador tinha o poder de dissolver o Congresso e convocar eleições, quando surgia o impasse ele vinha e usava seu poder moderador. Graças a isso os partidos não se perpetuavam no poder, já que ele gostava da alternância. Se esse poder o auxiliou a governar com a Constituição que mais tempo durou — a de 1824 —, por outro lado criou o germe do republicanismo, a que aderiram aqueles que ficavam prejudicados com as mudanças de gabinete.
Na República, não havendo Poder Moderador e as crises continuando, como é próprio do Estado e da política, os militares, que a tinham fundado, passaram a exercê-lo, com as intervenções salvacionistas de que sofremos até 1985.
Agora surge uma grave crise institucional entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, e isso é muito mal para o País, necessitando que todos nós, brasileiros, lutemos para que ela seja superada. Ninguém mais do que eu, quando exerci a política ativa, prestigiou o Judiciário, compreendendo que, nas democracias fortes, é ele que assegura a força das instituições e sua vigilância. Assim, devemos dar condições aos nossos juízes para que ele cumpra a função moderadora necessária nas democracias fortes.
A democracia começou a tomar corpo, na instituição do Estado moderno, com a evolução da separação dos poderes de somente entre executivo e legislativo para a antiga fórmula de Aristóteles, retomada sucessivamente por teóricos como Maquiavel, Locke, Bodin, Hobbes até assumir a forma tripartite consagrada em O Espírito das Leis, do barão de Montesquieu, em que o Judiciário se torna a chave do sistema. É sobre ele que pesa a maior responsabilidade da harmonia entre os poderes.
É hora de fortificar o Poder Judiciário e acabar com esse mal-estar entre Congresso, STF e MP.
José Sarney
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