domingo, 7 de julho de 2019

ENCONTRO DE FLÁVIO DINO COM SARNEY NÃO FOI DE CONVERSA PARA BOI DORMIR

Por Raimundo Borges
A pergunta básica sobre o encontro do governador Flávio Dino com o ex-presidente José Sarney é a mais obvia possível e também a mais importante: “Qual o tema central dessa conversa inusitada, com tão forte apelo político?” Não foi sem motivo que o encontro obteve a mais ampla repercussão nacional e dentro das divisas do Maranhão. Afinal, José Sarney, com 89 anos, longe de qualquer mandato e sem o peso político que já carregou por longas décadas nos três poderes da República, mesmo assim ainda tem simbolismo e representatividade no centro do poder.
Sarney foi e continua sendo o mais duro opositor de Flávio Dino. Este, por sua vez, nunca deixou por menos os contra-ataques desferidos nos embates que, ultimamente tem ficado a critério do neto do ex-presidente, deputado estadual Adriano Sarney, na Assembleia Legislativa, hoje, o único da família com mandato eletivo. Nas duas eleições em que derrotou o seu grupo, tirou a filha Roseana Sarney da ribalta política e deixou o sistema sarneísta destroçado, Flávio Dino mereceu ataques raivosos do velho Sarney. Mas o momento é de amadurecimento e profissionalismo politico. Afinal é ano de recesso eleitoral.
José Sarney continua sendo forte opositor à Flávio Dino

Tirana comparação

Em agosto de 2018, em plena campanha eleitoral, com a filha Roseana tentando voltar ao Palácio dos Leões e o filho Zequinha ao Senado Federal, Sarney mostrou-se furioso ao saber que aproximadamente 100 vias e prédios públicos perderam o nome dele e da família por proposta de Flávio Dino à Alema, com base na Carta de 1988. Oficialmente, tais bens passaram a ser rebatizados com outras denominações. Sarney comparou o governador ‘comunista’ ao ditador Josef Stalin, “o maior tirano que a humanidade já conheceu”.
“Não estou irritado com isso. O que me fez avaliar até onde vai a mesquinharia foi querer tirar o nome de minha mulher da Maternidade Marly Sarney, que ela construiu com tanto amor”, escreveu Sarney em seu jornal, O Estado do Maranhão. Agora, ao se debruçarem, de forma amistosa, sobre o momento político nacional em que a “democracia corre risco”, Flávio Dino e José Sarney desanuviaram o ambiente encarrascado da política maranhense e abriram o horizonte nacional para o nome do governador, que se projeta como eventual candidato a presidente em 2022.

Lembrando Cafeteira

Nunca é tarde para tirar-se desse encontro lições do passado e apontar rumos para o futuro. A reunião, portanto, foi louvado e apoiado por deputados do MDB de Sarney, como Roberto Costa, que a classificou de conversa de “histórica”, até o presidente da Assembleia Legislativa, Othelino Neto, do PCdoB. Para ele, o achegamento de Dino a Sarney “extrapolam as divergências paroquiais, deixadas de lada, para buscar soluções para o país”.
Vale ressaltar que, no ramo da política, com Sarney não existe imponderabilidade. Quando o ex-senador e ex-governador Epitácio Cafeteira morreu, um ano atrás, Sarney esqueceu todo o passado de homéricas lutas política entre ambos, para destacar o lado bom do ex-inimigo histórico e depois aliado de confiança. “Tivemos, por essas vicissitudes da vida e da política, de muitas vezes estarmos separados, adversários duros, em partidos diferentes. Tive, entretanto, uma grande sorte, e ele também dizia a mesma coisa, de reencontrá-lo, e, depois de ser seu adversário, nós nos reaproximamos, e eu o indiquei para governador, quando era presidente da República, e nele votei”.

E qual foi a conversa?

O tema central que dominou a aproximação, já que Dino e Sarney não iriam perde tempo botando conversa fora – conversa pra boi dormi – deve permanecer com o carimbo de “sigiloso”. Com apenas seis meses à frente do governo no segundo mandato, o governador ‘comunista’ tem se mostrado presente em todo o debate nacional, inclusive fazendo palestras em universidades americanas e inglesas sobre a situação do Brasil. Ele é crítico intransigente das políticas anunciadas e medidas tomadas no âmbito do Legislativo, pelo presidente Jair Bolsonaro.
Antes de encontrar-se com Sarney, Dino conversou também com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em São Paulo, (fora dos holofotes da mídia) e visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na prisão em Curitiba. Dino é um dos líderes do Consórcio de governadores do Nordeste, cujos integrantes estão arredios sobre a Reforma da Previdência nos moldes pretendidos pelo Planalto. Ao procurar Sarney, Dino reconhece a sua importância histórica e a lucidez dele sobre o Brasil. E Sarney, que anda equidistante de Bolsonaro, tem uma considerável reserva política no centro do embate ideológico.

A força do bolsonarismo

Flávio Dino hoje é a maior liderança nacional das esquerdas, fora Luís Inácio Lula da Silva. Por isso, tem procurado o espaço franqueado com o desmantelamento do PT, diante da prisão de seu principal líder e dos partidos do mesmo universo, que continuam sem uma estratégia unificada de ação. Além de tudo isso, há o avanço da direita com Jair Bolsonaro à frente no Palácio do Planalto, fortalecido pela classe média e uma robusta bancada no Congresso Nacional.
A vitória de Bolsonaro em 2018 trouxe à tona nova situação política no Brasil. Como uma onda, o “Bolsonarismo” quebrou as expectativas políticas dos mais conhecidos partidos e líderes. Estribado nas redes sociais e suas inúmeras facetas, a “chamada nova política” continua firme perante o eleitorado que o elegeu, embora com a popularidade em declínio espantosa, apresentado nas pesquisas. O Ibope/CNI de quinta-feira passada deu-lhe apenas 32% de aprovação, o menor índice desde a posse.
Com Lula preso, Flávio Dino hoje representa a maior liderança nacional das esquerdas
É nesse ambiente de crise institucional na política, a economia arruinando a vida dos trabalhadores e levando de roldão também a classe média que Flávio Dino se movimenta. Seu PCdoB é um partido minúsculo diante das bancadas que se uniram ao Centrão para decidir o destino das votações no Congresso, onde os comunistas são apenas nove na Câmara. Por enquanto, Bolsonaro governa com um olhar no movimento de oposição e no segmento político que ainda o segue devotando nas redes com o mesmo entusiasmo de 2018.

O risco do confronto

Quando Flávio Dino procura os líderes do PSDB – (FHC), do PT (Lula) e do MDB (Sarney), ele sabe que na conjuntura atual terá que formar uma frente que faça o contraponto ao governo. Os três partidos cujas lideranças Dino as procurou para discutir o Brasil são vozes que decidem e são capazes de passar ao Brasil uma visão abrandada da esquerda, longe do que a direita conseguiu enraizar na mente do público que, alimentado pelas mídias tradicionais, carimbou a esquerda como o mal maior do Brasil, graças aos governos do PT. Desmanchar isso é o maior desafio de uma eventual candidatura de Flávio Dino à sucessão de Bolsonaro.
Uma análise do analista político Valerio Arcay (Revista Forum) traça um rumo previsível para o que chama de “tática quietista” consiste em disputar o espaço de oposição, com maior ou menor retórica radical no Congresso, e aguardar as próximas eleições. Quietismo deriva de ficar quieto, na moita. Afinal Boslonaro tem a legitimidade nas urnas e representa uma alternância no regime presidencial.
Por sua vez, “a oposição deve aproveitar as posições institucionais que ocupa, nos governos estaduais, prefeituras e nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional para a melhor redução de danos possível. A unidade de ação no Parlamento com os partidos do Centrão, sob o mínimo denominador comum, deve ser priorizada!. A esquerda não deve desafiar, frontalmente, o governo, porque pode provocar um endurecimento das tendências bonapartistas”, ensina.

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