Em julgamento encerrado no final da noite desta sexta-feira, 31, no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros decidiram por unanimidade derrubar o trecho do Código Penal que prevê um regime especial de prisão para quem cursou ensino superior.
O chamado ‘instituto da prisão especial’ dava aos detentos com diploma universitário o direito de cumprir as prisões processuais (quando ainda não há uma condenação) em celas individuais. O benefício também está previsto para autoridades e algumas categorias profissionais, como dirigentes sindicais, policiais civis, magistrados, membros do Ministério Público e advogados.
O processo foi movido pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão deu entrada na ação em 2015. Na época, Rodrigo Janot era o procurador-geral da República. A PGR afirmou que a diferenciação entre presos comuns e presos especiais, com base no grau de instrução acadêmica, ‘contribui para perpetuação de inaceitável seletividade do sistema de justiça criminal’.
Como a ação foi julgada no plenário virtual, não houve debate ou reunião do colegiado. Nessa modalidade, cada ministro registra seu posicionamento na plataforma online, sem a obrigação de incluir voto escrito.
Apenas os ministros Alexandre de Moraes (relator), Dias Toffoli e Edson Fachin juntaram os votos. Veja abaixo o destaque dos argumentos de cada ministro:
Alexandre de Moraes
Moraes assumiu a relatoria da ação ao herdar o acervo de processos do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em 2017. Como relator, ele abriu o julgamento e defendeu o fim do benefício.
O voto afirma que o regime especial de prisão para quem cursou ensino superior é um ‘verdadeiro privilégio social’ incompatível com o princípio de igualdade democrática. Moraes disse que não vê justificativa ‘razoável’ para a distinção dos presos provisórios por grau de instrução.
“A meu ver, a previsão do direito à prisão especial a diplomados em ensino superior não guarda nenhuma relação com qualquer objetivo constitucional, com a satisfação de interesses públicos ou à proteção de seu beneficiário frente a algum risco maior a que possa ser submetido em virtude especificamente do seu grau de escolaridade”, diz um trecho do voto.
O ministro disse ainda que a categorização ‘fortalece desigualdades, especialmente em uma nação tão socialmente desigual como a nossa’. O último Censo do IBGE, feito em 2010, mostra que só 11,30% dos brasileiros têm ensino superior completo. O número cai quase pela metade entre os pretos e pardos: apenas 5,65% conseguem se formar na universidade.
“Ao permitir-se um tratamento especial por parte do Estado dispensado aos bacharéis presos cautelarmente, a legislação beneficia justamente aqueles que já são mais favorecidos socialmente, os quais já obtiveram um privilégio inequívoco de acesso a uma universidade”, destacou.
Ele também defendeu que o Estado não pode ‘proteger’ um recorte da população e se ‘omitir’ em relação aos demais que precisam dividir celas superlotadas. “Garantir condições adequadas e dignas de encarceramento é dever estatal em relação a todos, e não a uma categoria específica de pessoas”, escreveu.
Edson Fachin
Para Fachin, não há ‘critério lógico’ para diferenciar os presos pelo grau de escolaridade. O ministro lembrou que a Constituição estabelece a segregação dos presos por natureza do delito, idade e sexo.
“A lógica constitucional é a de que presos que cometeram crimes mais violentos são mais perigosos que presos que praticaram delitos menos graves; que adolescentes ou idosos não podem ser recolhidos com adultos, pois aqueles, por suas condições pessoais físicas e psíquicas, podem se sujeitar à força e influência destes; que homens e mulheres não podem ser presos juntos dadas às diferenças biológicas entre ambos”, explicou. “Entretanto, ao analisar a norma legal impugnada, não verifico correlação lógica entre grau de escolaridade e separação de presos.”
Dias Toffoli
O ministro Dias Toffoli, que havia pedido mais tempo para analisar o processo, também votou para derrubar o privilégio. Ele destacou que o tratamento diferenciado para presos com ensino superior é ‘inevitavelmente mais benéfico’ considerando a ‘realidade de extrema precariedade’ do sistema prisional.
“Se rejeita, de pronto, a ideia de que a prisão especial poderia ser justificada pela vetusta e hoje odienta hierarquização de categorias no sentido de que alguns grupos, pelo status social e honorabilidade de seus integrantes, teriam direito a um tratamento privilegiado em relação aos demais . Essa noção, embora tenha ressoado ao longo da história brasileira, não se coaduna com os tempos atuais”, escreveu.
Em outro trecho do voto, Toffoli defendeu que, ao criar classes distintas de presos provisórios, o Código Penal ‘transpõe para o sistema carcerário a mesma e intolerável divisão social desigual, injusta, discriminatória e aristocrata ainda hoje existente no seio da sociedade brasileira’.
“A norma impugnada traz uma desigualdade normativa que não tem o objetivo – direto ou indireto, explícito ou implícito – de amenizar desigualdades fáticas”, conclui o ministro. (Estadão)
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