Frequento Barreirinhas
já há muitos anos. Lembro-me das primeiras viagens, com meus filhos ainda
meninos, sendo interpelado a todo instante por aquela famosa indagação das
crianças:
─ Pai, falta muito?!...
Eu respondia que não,
mas a viagem durava um dia inteiro. Depois de atravessar a ponte sobre o
Itapecuru, tomava-se a estrada rumo a Chapadinha e, no entroncamento em
Sobradinho, abandonava-se o asfalto. De lá até Barreirinhas era uma eternidade.
Atravessar o rio Munim em balsas improvisadas, arriscar a vida equilibrando o
carro sobre a ponte do rio Preto e ainda tendo que vencer os bancos de areias e
as "costelas de vacas" da estrada, ... chegar em Barreirinhas era uma
bênção!
Pior sacrifício era ter
que enfrentar o banzeiro todo se quisesse ir de barco, partindo do porto de São
José de Ribamar cruzando o farol de Santana, margeando a ilha de Carrapatal e se
arriscando nas "croas'" de areia branca da foz do rio Preguiças, em
frente ao Atins.
Mas todo esse
infortúnio era imediatamente esquecido ante o espetáculo que se apresentaria
daí em diante: o delta do Preguiças com seus meandros e praias que se
deslocavam a cada maré. A vista do Farol de Mandacaru sinalizando a presença do
ser humano naquele longínquo paradeiro, e aquela estreita faixa de areia branca
teimando em sobreviver entre as águas doces do rio e a força do mar soprando em
sentido contrário, são cenários que até hoje não me saem da memória.
Naquele pedaço de
paraíso, pequenos ranchos de palha eram ocupados pelos pescadores nômades que
passavam grande parte de suas vidas equilibrando-se em suas canoas no balanço
das ondas, ouvindo o som do vento e se guiando apenas pela tábua das marés.
Recordo-me da minha
primeira ida ao Caburé. Era noite de lua cheia. Contemplando as estrelas
cadentes, pernoitei, deitado em uma rede numa das barracas do Paulo.
Um programa como esse
não tem preço. Muitos viajam o Mundo inteiro para poderem vivenciar essa
experiência.
Nos dias de hoje, esse sonho
pode ser realizado sem todo aquele esforço de outrora. Graças à governadora
Roseana Sarney o acesso a Barreirinhas já pode ser feito de forma mais rápida e
segura (em que pese o excesso de quebra-molas na estrada) o aeroporto já é uma
realidade e a cidade vem recebendo melhor atenção nestes últimos tempos.
Não há uma pessoa
sequer que tenha ido ao Lençóis Maranhenses e não tenha se encantado com a
exuberância da beleza ali encontrada. A natureza ainda em seu estado puro,
florestas de mangues protegendo o leito sinuoso do rio, seu artesanato único e
sua gente com seus costumes singelos, conferem aos visitantes um toque todo
especial.
É uma pena que uma das
figuras mais agradáveis e que acreditava no potencial da região tenha partido
desse paraíso para o além sem tempo de vê-lo transformado num dos principais
destinos turísticos do País. Chamava-se Paturi. Velho amigo de outras bandas
que resolveu trocar as águas salgadas da praia dos Lençóis, onde repousa o
touro encantado da lenda de Dom Sebastião, pelas águas cristalinas do Atins.
Durante muitos anos ele
se incorporou ao Caburé, ali instalando uma pousada e um restaurante, onde os
turistas se deslocavam para apreciar sua cozinha e ouvir suas histórias.
Estava eu com a
família, num desses feriados, acampados no Caburé, todos sentados em torno de
uma mesa conversando com ele, quando chegou um nativo filho de pescadores que o
ajudava nas tarefas diárias. Ele era gago. Com um pequeno sinal, Paturi o
chamou e lançou-lhe um desafio: abriu a carteira, tirou de dentro uma nota de
cem reais, estalando de nova e disse-lhe:
─ Esta "garoupa" é tua se fores ao bar e pedires uma cerveja
gelada pra nós. Mas sem fazer mímica e sem gaguejar!!! Enfatizou.
O Gaguinho viu ali a
oportunidade de abocanhar fácil aquela grana e se esbaldar nessa noite no forró
que iria acontecer no Farol de Mandacaru. Rumou em direção ao bar e ao chegar
em frente ao rapaz do balcão encheu os pulmões de uma tomada só e desembuchou:
─ Medáumacervejaaí!
Surpreso, o cara do
bar, que o conhecia muito bem e sabia da sua deficiência em coordenar as
palavras, retrucou:
─ Brahma ou Antártica?
─ Hi hi hi a go go ra tu tu tu .... tu me lascou!
São registros
pitorescos como esses que tornam os lugares inesquecíveis.
José Jorge Leite Soares
Cônsul
Honorário da França em São Luís e
Membro da
Academia Pinheirense de Letras Artes e Ciências.
Nenhum comentário:
Postar um comentário