RIO — Tido na Câmara dos Deputados como um representante do chamado baixo clero, o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), conseguiu montar um feudo em seu estado natal. Dados levantados pelo GLOBO mostram que o parlamentar tem sob seu controle uma das principais pastas do governo do Maranhão: a Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid).
Na relação de servidores da secretaria, segundo relatório de prestação de contas enviado no início deste ano ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), aparecem duas irmãs do parlamentar: Nery e Eny de Jesus Maranhão Cardoso — a primeira chefe de Serviços de Contratos e Convênios e a outra, assessora especial. A mesma lista ainda tem outros seis funcionários que foram doadores da campanha do deputado nas eleições de 2010 ou de 2014. Maranhão ganhou fama ao suspender a sessão que aprovou o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e, em menos de 12 horas, voltar atrás. Hoje ele enfrenta forte pressão para deixar a presidência da Casa, inclusive do grupo de Eduardo Cunha, presidente afastado e seu aliado.
Criada em 2009, a Secid tem como finalidade “planejar, executar, coordenar e controlar as políticas públicas das áreas de habitação, saneamento e urbanização, em articulação com os municípios”. Aliado do governador Flávio Dino (PCdoB), o deputado foi decisivo para a nomeação da secretária da pasta, Flavia Alexandrina Coelho Almeida, que pôs os aliados de Maranhão em cargos importantes.
Na lista de servidores da secretaria enviada ao TCE aparece Helvio Herbert Soares, assessor sênior, que já atuou como pregoeiro em licitações da Secid. Ele doou R$ 20 mil para a campanha do deputado em 2010. Outro cargo importante, o de chefe de Planejamento e Ações Estratégicas, é ocupado por Hermínia Noleto Silva, membro da Coordenadoria de Mulheres do PP do Maranhão, que doou R$ 3 mil à campanha de Maranhão em 2014.
Alfredo Alves Costa Neto, que doou R$ 4,8 mil em 2014 a Maranhão, era subsecretário adjunto da Secid. Ele deixou o cargo, porém, para assumir a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no estado. A nomeação teria ocorrido por indicação do deputado, a pedido de empresários.
MAUS BOCADOS
Na prestação de contas de campanha de 2010, o deputado Waldir Maranhão passou por maus bocados. Apesar de ter declarado à Justiça Eleitoral bens que somavam R$ 776 mil — sendo apenas R$ 16,5 mil em espécie —, o parlamentar doou para si próprio R$ 557 mil em dinheiro. A matemática rendeu a ele um processo do Ministério Público Eleitoral, que pedia a cassação de seu mandato.
Entre idas e vindas, o atual presidente da Câmara conseguiu uma boa justificativa para os milhares de reais: teria vendido, de última hora, um imóvel para João Martins de Araújo Filho. Hoje, o suposto comprador preside a Comissão Setorial de Licitação da Secretaria de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid) do Maranhão.
Como foi se arrastando no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), o processo acabou sendo arquivado no ano passado. O próprio MP entendeu que não cabia dar sequência a ele, já que o pedido era a decretação da perda de um mandato que já havia se encerrado.
De acordo com o TRE, os autos deste processo estão sob segredo de Justiça. No entanto, há um despacho público, do desembargador Daniel Blume Pereira de Almeida, de dezembro de 2014, em que aparece o nome do atual presidente da Comissão de Licitação: “Nesta assentada, indefiro o pedido de realização de perícia na prova documental decorrente da quebra dos sigilos fiscal e bancário de Waldir Maranhão Cardoso e da testemunha João Martins de Araújo Filho (suposto adquirente do imóvel)”.
Além de aparecer no despacho como o suposto comprador, João Martins ainda doou R$ 11 mil à campanha do deputado em 2010. O relacionamento dos dois é de longa data. Em dezembro de 2009, o atual presidente interino da Câmara era o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Maranhão. E nomeou Martins para o cargo de superintendente de Educação Superior e Profissional.
No loteamento feito por Waldir Maranhão na Secid, há outros nomes bem próximos ao deputado que aparecem na listagem de servidores enviada ao TCE. O assessor sênior Daniel Bandeira de Sepulvida já foi funcionário do gabinete do parlamentar na Câmara. Josiel Santos da Silva, assessor especial, doou R$ 1,5 mil para a campanha de 2014. Raoni Rômulo da Paz Ramos, assessor júnior, doou R$ 1 mil. E Alberto da Conceição Dias, supervisor de Recursos Humanos, doou R$ 954.
Um outro nome ligado a Maranhão que estava na Secid era Hamilton Ferreira da Silva, secretário geral do PP no estado e considerado braço-direito do deputado. Em 21 de janeiro de 2015, ele foi nomeado gestor de Atividades Meios. No dia 28 do mesmo mês, ganhou ainda mais poder: virou ordenador de despesas da Secid. Pelo menos até junho de 2015, apenas ele e a própria secretária Flávia Alexandrina podiam, entre outras funções, efetuar transferências, pagamentos, resgates e aplicações financeiras.
Hamilton foi exonerado em 9 de dezembro passado, em circunstâncias não bem esclarecidas. Em seguida, assumiu o cargo de secretário municipal de Cultura de Paço do Lumiar (MA).
GASTOS SEM EMPENHO
As movimentações financeiras da Secid estão no alvo dos políticos de oposição ao governador Flávio Lino, doador de Maranhão. Um documento que faz parte da análise de contas de 2015 enviada ao TCE mostra que, dos R$ 842,2 mil pagos pelo governo no ano passado sem empenho, ou seja, sem detalhamento do gasto, R$ 670 mil foram da Secid. A deputada estadual Andréa Murad (PMDB) vai pedir explicações ao tribunal.
O próprio TCE tinha em seus quadros o filho de Waldir Maranhão, Thiago Augusto, que foi exonerado após a divulgação de que exerce a Medicina em São Paulo. O caso será investigado pelo MP. As assessorias de imprensa de Maranhão e da Secid foram procuradas, mas não se manifestaram.
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