O baronato do transporte de carga sequestrou a rotina dos brasileiros sem levar o rosto à vitrine. Terceirizou o bloqueio de estradas aos caminhoneiros autônomos. No quarto dia, com o país submetido ao caos do desabastecimento, o Planalto cedeu integralmente às exigências. Em troca, obteve um armistício mixuruca de duas semanas, que não foi subscrito por todos os sequestradores da paz social. Quer dizer: o governo de Michel Temer pagou o resgate, mas o Brasil continua refém de uma ilegalidade: o locaute (pode me chamar de greve de patrões) é proibido pela legislação brasileira.
Nas palavras do negociador Eliseu Padilha, chefão da Casa Civil, o governo cedeu “tudo o que foi socilitado”. Isso inclui o tabelamento do preço do diesel por 30 dias e um subsídio para atenuar os reajustes até o final do ano. Para que a Petrobras não fique no prejuízo, o Tesouro Nacional (também conhecido como contribuinte) pagará à estatal a diferença entre o preço de mercado e o refresco servido à turma da roda presa. Coisa de R$ 5 bilhões até o final do ano, quando Temer será enviado de volta para casa. Ou para onde outro lugar.
Repetindo: armou-se algo muito parecido com uma versão envergonhada do controle de preços adotado sob Dilma Rousseff. A diferença é que, para não impor novos prejuízos à Petrobras, o custo do subsídio migrou do passivo da estatal para o bolso da plateia —que muita gente acredita ser a mesma coisa. Como dinheiro público não é gratuito, será necessário cortar os R$ 5 bilhões de outras áreas da administração pública. A última vez que o governo teve de fazer isso, transferiu verbas do seguro desemprego para cobrir o calote aplicado no BNDES pela Venezuela e por Moçambique.
Numa evidência de que o patronato utilizou os caminhoneiros como bonecos de ventríloquo, incluiu-se no acordo o compromisso do governo de não permitir que o Congresso reonere a folha salarial do setor. De novo: a folha das empresas transportadoras continuará isenta do pagamento de imposto. Tudo isso mais a redução de taxas e tributos que incidem sobre o diesel.
Admita-se que o governo não tinha outra alternativa senão negociar. Mas precisava fazer isso de joelhos? Não poderia ter condicionado as concessões à desinterdição prévia das rodovias? Era mesmo necessário passar a mão na cabeça do patronato que trafega no acostamento da legislação. Na manhã desta sexta-feira, ainda faltarão mantimentos na gôndola, combustível na bomba e remédios na prateleira. Mas nenhuma mercadoria é mais escassa no momento do que a autoridade presidencial.
Michel Temer tornou-se uma pequena criatura. Ninguém ignora que o personagem brigou para permanecer ao volante. Mas falta-lhe um itinerário. Consolidou-se como um ex-presidente no exercício da Presidência.
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