Coluna do Sarney
Em 1969, Nestor Jost, então
presidente do Banco do Brasil, passando por São Luís, disse-me que tinha saído
um livro de grande sucesso de um desconhecido escritor colombiano, García
Márquez, com o título de Cem Anos de Solidão. Não sabia que Jost gostava de
leitura, ele que era um homem de finanças. Mandei buscar no Rio de Janeiro.
Fiquei fascinado com o livro, era alguma coisa de diferente, a cidade Macondo
seria incorporada na geografia do mundo, onde a solidão e o mágico se
entrelaça-vam com essa figura notável de Aureliano Buendía.
Tornei-me seu
devoto e passei a ser um leitor compulsivo de autores latino-americanos.
Descobri que Macondo tinha um antecedente em Juan Rulfo, o precursor do
realismo mágico, com a sua Comala, de Pedro Páramo. Já tinha lido La Vorágine,
de José Eustasio Rivera, outro livro notável sobre a selva amazônica, além de
Casas Muertas, de Miguel Otero Silva e toda a obra de Rómulo Gallegos, na qual
se destaca a obra prima, Doña Bárbara, “labonguera”. Verifiquei então que
García Márquez vinha na explosão dessa temática que eu desconhecia e que veio a
ser o boom da literatura americana e sua marca, depois de Cem Anos de Solidão.
Borges dizia que era um grande livro, mas tinha cem páginas a mais. Dor de
cotovelo do Nobel. Depois veio Amor em Tempos do Cólera, de que o autor disse
ser o seu livro que ficará — com o que eu concordo, pois sua estrutura,
construção e personagens já encontram um autor amadurecido, genial, dono de
todas as maravilhas infernais do escrever.
García Márquez tem dois temas
dominantes em sua obra, a velhice e a morte, filhas da solidão. Ele não escreve
sobre a solidão. Ele cria a solidão, recria, implanta, faz-lhe agonia e dor.
Tive duas oportunidades de conviver
intensamente com García Márquez. Em 1991,quando com ele fiz parte durante dois
anos, nas Nações Unidas, do Comitê de Meio Ambiente para América Latina e
Caribe. Entre nossos trabalhos estava o de preparar o documento daquele órgão
para a Conferência Ecológica do Rio 92. Para redigir o prefácio do documento
foi constituída uma comissão formada por García Márquez, Rafael Caldera e por
mim. Recusei-me a fazer parte, argumentando que García Márquez era a Comissão e
só ele devia escrevê-lo. Certa noite, recebi um fax seu perguntando-me se a
datação da cerâmica marajoara era de 6 ou 8 mil anos. Respondi-lhe que havia
controvérsia, mas ele era o nosso Zeus e podia dar qualquer data que era essa a
verdadeira.
Outra oportunidade foi quando foi
fundado em Caracas, nas comemorações dos 500 anos da Descoberta da América, um
comitê dos intelectuais da América Latina presidido por ele e de que eu fazia
parte. Tivemos oportuni-dade de estar juntos e conversar durante uma semana, em
companhia de grandes nomes da literatura do nosso continente, Octavio Paz,
Carlos Fuentes e tantos outros. Contou-me que uma vez chegou ao Brasil no dia
do confisco do Collor. Voltou.
Depois de alguns anos sem ver-nos, em
2007, quando se lançou uma edição especial de Cem Anos de Solidão, recebi um
volume por ele autografado: “Ao Amigo Sarney, um abraço do Gabo”.
Li algumas vezes Cem Anos de Solidão,
Amor nos Tempos do Cólera e O Outono do Patriarca. Agora, vou ler de novo. É
uma maneira de rejuvenescer e relembrar um homem genial, ícone do nosso tempo
que me chamou de amigo.
Como dizia Rilke, o grande poeta,
“todos os grandes homens já morreram”.
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