Foi um político, desses que trabalham com ideias, Cícero, quem fez da moral o ponto fundamental de sua extensa obra filosófica. Seus livros, sobretudo De Officiis, são tratados que ensinam a supremacia dos valores éticos. “Um dia só, vivido honestamente, é preferível a uma imortalidade imoral”, dizia ele.
Não podemos generalizar à classe política a
conduta de maus políticos. Nem achar que é monopólio destes o que acontece
nessa região cinzenta dos costumes.
A ética saiu dos tratados de filosofia para ser,
nos nossos dias, uma das mais aliciadoras palavras do vocabulário político. A
sua marca estoica desapareceu e ela tornou-se conduta das pessoas com obrigação
de seguir uma agenda de valores profissionais: a ética da política, a ética
médica, a ética do futebol, a ética dos advogados, a ética da imprensa et
cetera e tal. Para vigiá-las, passaram a existir os conselhos de ética, que
enfeitam toda organização que se preza. Ética é também, na linguagem das
doenças, uma febre que não passa, insidiosa.
O Renascimento e o Iluminismo libertaram o homem
de todos os dogmas para que ele pudesse, no exercício da razão, gozar de
liberdade para escolher entre o bem e o mal. Hoje, com a sociedade da
informação, a transparência é básica para o autocontrole. Nada pode ser
segredo. Isso dá uma sensação opressiva de perda da liberdade.
Tudo é público, e a mídia, com seu instrumental
de meios, vigia, denuncia e condena. É um bem ou é um mal? Os resultados
respondem positivamente. Há um movimento de melhoria de métodos e procedimentos.
O medo ou a certeza de que é impossível esconder erros cria um outro patamar de
condutas. Mas falta, ainda, que essa praxe se derrame de maneira homogênea no
tecido social. Não basta o fogo cruzado em agentes do governo. Para o país sair
da corrupção endêmica, é necessário mudar hábitos, costumes, e sanear, sem
privilégios.
Vejamos o que ocorre em alguns setores
industriais, protegidos da invasão moralizadora da sociedade de informação. Um
fato terrível mostra o nível de proteção e impunidade que existe nesses
segmentos. É o caso da fraude nas embalagens que de embalagem não têm nada, é
roubo mesmo, a céu aberto. E a quem? Ao consumidor pobre. Papel higiênico,
pacotes de biscoitos, bolachas, chocolates, sabonetes e sabões em pó estão
fraudados. Mas os preços continuaram os mesmos. A esse procedimento estamos
chamando de maquiagem, mas na realidade é um saque. E a permissibilidade é
tanta que todos fizeram o acordo de preços.
Há uma ânsia nacional de moralidade. Fatos como
esses não podem ser tolerados. Eles demonstram uma insensibilidade grave e uma
confiança na impunidade para crimes de exploração dos mais fracos.
Estão furtando às famílias pobres, pois são as
que mais sentem, suas bolachas, seu leite, sabão, arroz e feijão. E não é
bandido alegando fome, mas gente querendo mais lucro. No Nordeste se diz
“tirando pão da boca de cego”.
A ética ainda não alcançou os supermercados. A
coisa chegou a tal extremo que criaram a dúzia de dez ovos. Quais os
responsáveis? Não apareceram.
Deve ser a maria-mole, que
perdeu 50 gramas!
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