terça-feira, 7 de maio de 2013

COLUNA DO SARNEY: A ética e a maria-mole


Foi um político, desses que trabalham com ideias, Cícero, quem fez da moral o ponto fundamental de sua extensa obra filosófica. Seus livros, sobretudo De Officiis, são tratados que ensinam a supremacia dos valores éticos. “Um dia só, vivido honestamente, é preferível a uma imortalidade imoral”, dizia ele.

Não podemos generalizar à classe política a conduta de maus políticos. Nem achar que é monopólio destes o que acontece nessa região cinzenta dos costumes.

A ética saiu dos tratados de filosofia para ser, nos nossos dias, uma das mais aliciadoras palavras do vocabulário político. A sua marca estoica desapareceu e ela tornou-se conduta das pessoas com obrigação de seguir uma agenda de valores profissionais: a ética da política, a ética médica, a ética do futebol, a ética dos advogados, a ética da imprensa et cetera e tal. Para vigiá-las, passaram a existir os conselhos de ética, que enfeitam toda organização que se preza. Ética é também, na linguagem das doenças, uma febre que não passa, insidiosa.

O Renascimento e o Iluminismo libertaram o homem de todos os dogmas para que ele pudesse, no exercício da razão, gozar de liberdade para escolher entre o bem e o mal. Hoje, com a sociedade da informação, a transparência é básica para o autocontrole. Nada pode ser segredo. Isso dá uma sensação opressiva de perda da liberdade.

Tudo é público, e a mídia, com seu instrumental de meios, vigia, denuncia e condena. É um bem ou é um mal? Os resultados respondem positivamente. Há um movimento de melhoria de métodos e procedimentos. O medo ou a certeza de que é impossível esconder erros cria um outro patamar de condutas. Mas falta, ainda, que essa praxe se derrame de maneira homogênea no tecido social. Não basta o fogo cruzado em agentes do governo. Para o país sair da corrupção endêmica, é necessário mudar hábitos, costumes, e sanear, sem privilégios.

Vejamos o que ocorre em alguns setores industriais, protegidos da invasão moralizadora da sociedade de informação. Um fato terrível mostra o nível de proteção e impunidade que existe nesses segmentos. É o caso da fraude nas embalagens que de embalagem não têm nada, é roubo mesmo, a céu aberto. E a quem? Ao consumidor pobre. Papel higiênico, pacotes de biscoitos, bolachas, chocolates, sabonetes e sabões em pó estão fraudados. Mas os preços continuaram os mesmos. A esse procedimento estamos chamando de maquiagem, mas na realidade é um saque. E a permissibilidade é tanta que todos fizeram o acordo de preços.

Há uma ânsia nacional de moralidade. Fatos como esses não podem ser tolerados. Eles demonstram uma insensibilidade grave e uma confiança na impunidade para crimes de exploração dos mais fracos.

Estão furtando às famílias pobres, pois são as que mais sentem, suas bolachas, seu leite, sabão, arroz e feijão. E não é bandido alegando fome, mas gente querendo mais lucro. No Nordeste se diz “tirando pão da boca de cego”.

A ética ainda não alcançou os supermercados. A coisa chegou a tal extremo que criaram a dúzia de dez ovos. Quais os responsáveis? Não apareceram.

Deve ser a maria-mole, que perdeu 50 gramas!

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