O
senador José Sarney (PMDB-AP) está prestes a deixar a Presidência do Senado,
cargo que ocupou por quatro vezes nos últimos 17 anos. Em 2014, Sarney vai
completar seu terceiro mandato como senador pelo estado do Amapá. Entre 1971 e
1984, esteve na Casa como representante do Maranhão. “Já são 35 anos dentro do
Senado. Na história da República eu sou o senador que mais tempo passou aqui”,
destaca Sarney, lembrando que Rui Barbosa teve 32 anos de Senado.
Sarney
registra que não será candidato à reeleição, mas ressalta que não é por falta
de apoio popular. Ele lembra que o ex-deputado federal Virgílio Távora
(1919-1988) dizia que duas coisas fazem o político abandonar a carreira: ou o
político larga o povo, ou o povo larga o político. “Graças a Deus, nada disso
aconteceu comigo”, diz.
Sobre
o próximo presidente do Senado, Sarney ressalta que “isso depende da escolha do
Plenário”. Ele, no entanto, admite que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) deve
ser um dos candidatos e que o colega de partido tem muita experiência: “Já foi
presidente da Casa e tem grande capacidade de diálogo e conciliação”.
Sarney
conta que tentou desestimular o envolvimento de seus filhos na política, por
conta das agruras da atividade. Dois deles, no entanto, seguiram a carreira do
pai: o deputado federal Sarney Filho (PV-MA)
e a
governadora do Maranhão, Roseana Sarney. Sarney admite, porém, que gostaria que
seus filhos repetissem sua trajetória política.
Em
entrevista exclusiva à Agência Senado, Sarney avaliou seus mandatos como
senador, falou sobre as realizações de sua carreira política e a forma como
lida com denúncias, e não deixou de tocar em assuntos como Deus, frustrações,
vida e morte. Confira.
Como o senhor avalia seus mandatos
como senador? Sempre tive a preocupação com a atualização, com
a modernização e com o apoio científico aos trabalhos do Senado. Na década de
1970, fui presidente do Ipeac [Instituto de Pesquisa e Assessoria do
Congresso], que visava oferecer assessorias competentes à atividade
parlamentar. O Ipeac era o responsável pelos trabalhos da Casa, convocando a
inteligência nacional para dar apoio ao Congresso. Assuntos como energia
nuclear, hidrelétricas e abertura democrática estavam entre os trabalhos do
instituto. Ainda como senador, em 1993, eu propus a informatização do Senado.
Foi constituída uma comissão, da qual eu era membro, e o resultado foi a
criação da Secretaria Especial de Informática do Senado Federal (Prodasen).
Qual a herança que o senhor deixa
como presidente do Senado? Durante todo o tempo que passei no Congresso,
nunca gostei de participar das mesas de direção. Mas, em 1994, me rendi aos
apelos para assumir a Presidência do Senado. Como presidente, minha preocupação
com a modernização se redobrou. Depois de assumir a Presidência, acho que
entramos na era da modernidade do Senado. Parecia que o Senado ainda estava no
século 19, pois não havia o conhecimento das mudanças significativas que a
sociedade da informação trouxe para o mundo.
Durante
o tempo em que fui presidente, sempre houve a preocupação com a transparência,
pois a modernidade traz um novo interlocutor, que é a opinião pública, que se
manifesta por meio da mídia, das redes sociais ou pelas organizações civis. Com
isso, nós achamos que o Senado devia se atualizar para ter sua presença diante
da opinião pública. Daí, houve a criação da Secretaria Especial de Comunicação
Social (Secs), com a TV, a Rádio, o Jornal e a Agência Senado. Serviços como o
DataSenado, a Ouvidoria, o e-Cidadania e o Alô Senado vieram assegurar uma
transparência cada vez maior da Casa. Também destaco a informatização das
sessões e da frequência dos senadores, as notas taquigráficas em tempo real na
internet e o [site de busca de legislação] LexML.
Na área administrativa, houve o incremento dos cursos do ILB [Instituto
Legislativo Brasileiro] e a aquisição de livros raros para a Biblioteca, além
dos programas Pró-Equidade e Senado Verde. Tudo isso mostra a revolução que ocorreu
no Senado e como a Casa se modernizou. A modernização e a atualização têm sido
a minha marca por onde tenho passado na administração publica.
A vida política do senhor é muito
extensa. O senhor já foi deputado, governador, senador e presidente da República.
Além disso, é empresário e membro da Academia Brasileira de Letras. O senhor se
considera realizado ou falta algo a conquistar? Todo
homem chega ao fim da vida com uma certa frustração, não das coisas que fez,
mas pelas coisas que deixou de fazer. Quando a gente entra na política, é pelo
desejo de melhorar a sorte de seu município, de seu estado, de seu país, e até
de melhorar a sorte da humanidade. Essa é a grande vocação da política. E
sempre fica uma frustração por ainda não ter conseguido todas essas coisas.
Na
realidade, eu fico meio decepcionado quando vejo que todas as ideias políticas
difundidas no mundo prestaram menos serviço ao povo do que [Alexander]
Flemming, com a penicilina, [Albert] Sabin, com a vacina contra a paralisia, ou
as inovações de [Thomas] Edison ou [Steve] Jobs. Sempre fica a ideia de que
ainda há alguma coisa por fazer. Quando Deus fez o mundo, não o fez com tudo
perfeito, mas deixou o homem com a capacidade de cada dia melhorar um pouco. Eu
sou um otimista com a humanidade, e acho que haverá um dia em que o homem vai
conseguir aquilo que [Thomas] Jefferson chamava de “a busca da felicidade”.
Isso será daqui a milênios, mas vai acontecer.
O exercício da política implica,
naturalmente, controvérsia e antagonismo. Ao longo da sua trajetória política,
o senhor teve de lidar com denúncias de irregularidades. De que forma o senhor
convive com essas denúncias e as críticas? A política é cruel, lida com a
crueldade. O embate político não tem limites. A primeira coisa que muitos fazem
[na política] é tentar desqualificar o adversário. Então se inventa tudo e se é
submetido a todas as injustiças. Quanto mais responsabilidade, mais se é
combatido. Isso faz parte da prática e da instrumentação política. Isso é
terrível pra quem faz política e desmoraliza a atividade política. Por isso, o
povo julga tão mal os políticos. São os próprios políticos que constroem esse
julgamento.
Quanto
a mim, como eu sei que são inverdades, eu lido como se fosse com uma terceira
pessoa. Eu lido com absoluta tranquilidade. Eu sou cristão e Deus me deu essa
graça. Deus já fez tanto por mim – como o país em que ele me fez nascer e a
vida que ele me permitiu construir, tanto na literatura quanto na política – e
ele me pede uma coisa apenas: “Perdoai os vossos inimigos”. Por que eu vou
negar isso a ele? Então eu perdoo e fico tranquilo, numa boa.
Na
história do Brasil, muitos sofreram muitos ataques. Rui Barbosa, Joaquim
Nabuco, muitos presidentes. Mas eu vejo que tudo isso passa. Os excessos que a
imprensa constrói, o tempo destrói.
O senhor completou 82 anos, em 2012,
passando por um susto. Teve de ser internado, para tratar do coração. É natural
que, neste momento da vida, a morte se torne um assunto delicado. O senhor tem
receio da morte? De que forma lida com a ideia da morte? O corpo
começa a dar sinais, algumas peças começam a ficar com a validade vencida
(risos). Eu até escrevi um poema, Homilia do juízo final, em que eu termino
dizendo: “Tenho um encontro com Deus. / – José! onde estão tuas mãos que eu
enchi de estrelas? / – Estão aqui, neste balde de juçaras e sofrimentos.”
Juçara é outro nome para o açaí.
Nos vários cargos que o senhor
exerceu, qual foi o momento mais difícil? Foi quando me ligaram de madrugada,
avisando que eu iria assumir a Presidência da República (Em março de 1985,
Sarney assumiu a Presidência depois de Tancredo Neves ter sido internado com
problemas de saúde. Tancredo viria a morrer em junho daquele ano, e Sarney
seguiu como presidente até 1990). Não conhecia o ministério nem o programa de
governo. Todos diziam que a democracia iria morrer nas minhas mãos. Mas não
morreu. Pelo contrário, floresceu.
Eu
convivi com grandes homens públicos. Cada um tem o seu tempo, e corro o risco
de terminar fazendo alguma injustiça. Mas, se eu tivesse que apontar aquele de
quem mais sinto falta, seria de Tancredo Neves.
Nos seus vários mandatos, há algo que
o senhor considere que seja o seu legado político para o Brasil? Eu
destaco a transição democrática, pois depois a democracia se consolidou no
país, e os programas sociais, que tanto bem fazem para o povo brasileiro.
Depois de ser presidente, tive a felicidade de ver todas as classes sociais
chegando à Presidência da República, colaborando com a vida do país. A
República começou com os barões do café, passou pelos militares, pelos
bacharéis e tivemos um operário como presidente. Hoje, temos uma mulher na
Presidência. Há país mais democrático que o Brasil? Há exemplo maior do que
esse? Isso foi fruto de um trabalho que passou pelas minhas mãos.
Quando fui presidente da República
(1985-1990), houve uma mudança de foco. A prioridade era apenas econômica e eu
coloquei a causa social na pauta da política brasileira. Todos esses programas
que hoje foram ampliados começaram naquele tempo. Com o Plano Cruzado (1986),
tive a coragem de colocar minha cabeça a prêmio, com o congelamento de preços.
Procuramos outro caminho que levou ao Plano Cruzado, ao Plano Verão, ao Plano
Collor e até ao Plano Real. O Plano Real, já naquele tempo, esteve em nossas
mãos, mas não havia mais tempo para implementá-lo, pois estava deixando a
Presidência da República. Essas conquistas me fazem muito orgulhoso de minha
vida pública. Na minha vida, a orientação sempre foi procurar ajudar,
construir, unir e buscar a paz.
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