Saudação durante o evento de inauguração do Memorial Padre Luigi Risso
Jose Jorge Leite Soares em Pinheiro – Maranhão 16 de dezembro de 2023
São Tomás de Aquino, dizia que de todas as virtudes do ser humano, a maior delas era a Gratidão. Escreveu em seu Tratado sobre a Gratidão, que este sentimento possui três diferentes níveis de compreensão.
Inicio a minha fala externando o primeiro deles:
O “Reconhecimento da graça”.
Este ato simbólico, esta cerimônia que participamos neste momento, nada mais é que o reconhecimento de todos nós do belíssimo e nobre trabalho, realizado pelos MSC, em prol de nossa terra e da nossa gente,ao longo de quase oitenta anos.
O segundo nível, é a “Emoção” – pois foi justo esse sentimento que tomou conta da comunidade de Pinheiro ao se envolver em torno daideia de edificar este espaço destinado à preservação da memória das ações desta Congregação para com o povo desta terra.
Ratifico que foi esta mesma emoção que motivou ex-alunos do Colégio Pinheirense e inúmeras famílias, mesmo as mais humildes, (que tiveram seus filhos acolhidos pela Ação Social desta Congregação graças a devoção de Padre Nicolau e do Padre Risso em suas inúmeras creches espalhadas por todo o município), a se unirem de forma voluntária, muitos deles com uma singela doação, outros tantos com o próprio suor para edificaram este templo que perpetuará o trabalho desses sonhadores Missionários da Congregação fundada há quase dois séculos, lá no interior da França, pelo padre Júlio Chevalier.
A Missão definida àquela época pelo fundador da Congregação, nunca foi tão atual como nos dias de hoje. Esses Missionários foram enviados por Deus para serem testemunhas do Seu amor e serem portadores dos remédios para os diferentes males e problemas que afligiam e continuam a fazer sangrar a sociedade contemporânea.
Por último, relembro o terceiro nível de compreensão que nos falava São Tomás de Aquino, a “Retribuição”:
Este teto que nos abriga a todos nesta tarde de hoje, expressa da forma mais concreta possível, a nossa gratidão por tudo o quanto foi feito em nome do Senhor, para curar, repito, as mais diferentes dores que atormentavam a nossa gente, sobretudo os mais carentes.
Merece registro a mobilização de todos que contribuíram para erigir este Memorial que servirá para perpetuar esta importante obra da Congregação dos Missionários do Sagrado Coração, em especial à Comissão organizadora que se dedicou de corpo e alma para tornar realidade este sonho.
Ressalto ainda o exaustivo e brilhante trabalho de busca das informações a respeito dos missionários e suas ações, realizado pela nossa confreira da APLAC, Sandra Mendes.
Sou fruto da ação desses missionários e estou imensamente grato em ter sido escolhido para proferir umas poucas, porém sinceras palavras, em nome da Comissão Organizadora.
Como a grande maioria daqueles que frequentaram os bancos escolares do Ginásio e mais tarde Colégio Pinheirense, carregamos ao longo da nossa história, memórias afetivas desde a época de nossa infância.
Muitos, motivados por desejos ou levados pelo destino, tiveram que seguir seus instintos e partir em busca de novas oportunidades, mas tenho certeza de que saíram de Pinheiro, mas Pinheiro sempre esteve presente na vida de cada um de nós.
Ao ser convidado para saudar a todos, percebi a importância desta fala e busquei encontrar algumas palavras que pudessem definir o legado deixado pelos padres italianos e outros tantos que o seguiram posteriormente, aqui em nossa terra.
Há poucos dias, garimpava numa antiga livraria em Paris uma obra escrita pelo veneziano Giacomo Casanova, já no final de sua vida, na qualregistrava sua trajetória que o tornou uma personalidade das mais controversas e conhecida no Mundo inteiro. Ao perceber nas estantes os dois volumes da obra, abri aleatoriamente um dos livros e meus olhos foram atraídos por uma frase escrita por ele: “para os simples mortais a vida é um combate, mas para os sonhadores, a vida é uma viagem”.
Pronto! Pensei comigo mesmo! Vou utilizar esta frase em meu discurso!
Foi graças ao sonho desses MSC que essa “viagem” aconteceu.
Empreenderam uma longa travessia e, em nome do Senhor, escolheram estes campos enxarcados da Baixada Maranhense para trazerem a palavra de Deus ao estenderem a mão sobre este povo tão distante de sua terra natal.
Corria o ano de 1939, mais precisamente no dia 22 de junho, quando o papa Pio XII se decidiu pela criação da Prelazia de Pinheiro, através da Bula Papal Ad Maius Christifidelium, desligando-a da Arquidiocese de São Luís e da Prelazia de Grajaú.
No ano posterior, em 29 de março de 1940 a Sagrada Congregação delegou a Prelazia de Pinheiro aos MSC que designou o Revmo. Padre Afonso Maria Ungarelli, então com 42 anos de idade, comoAdministrador da Prelazia.
Afonso Ungarelli, filho de família nobre, defendeu sua pátria durante a primeira Guerra Mundial, sobreviveu a ela e tornou-se doutor em Química pela mais importante Universidade da Itália: Universidade de Bologna.
Com a morte de seus genitores, ingressou na Congregação dos MSC na cidade de Issoudum, na região Central da França, no ano de 1924, sendo ordenado em Roma quatro anos depois.
Em 1939 Hitler invadiu a Polônia dando início a segunda Grande Guerra.
Dois anos antes, Afonso Ungarelli havia sido eleito superior da Paroquia de Florença, a segunda cidade mais importante da Itália.
Somente em 1946, um ano após o término da segunda Guerra Mundial, com a Europa abalada sob os efeitos catastróficos das atrocidades praticadas nos campos de batalhas, o prelado Afonso Maria Ungarelli, arregimentou lá no Velho Continente, um grupo de oito sonhadores que abdicaram do conforto de suas famílias e lançaram-se ao mar no porto de Nápoles, a bordo do navio Duque de Caxias, com destino ao Brasil.
Ao desembarcarem no Rio de Janeiro foram surpreendidos pela calorosa acolhida que lhes foi feita pelo Desembargador Elisabetho Barbosa de Carvalho, acompanhado do ex-prefeito de Pinheiro Dr. Costa Rodrigues.
Após uma exaustiva viagem do Rio de Janeiro a São Luís, não imaginaram que teriam pela frente uma aventura maior ainda. No Cais da Sagração, subiram a bordo do Dunquerque, uma pequena embarcação a vela, ultrapassaram os banzeiros do boqueirão, contornaram as perigosas pedras de Itacolomy, para adentrarem à baia de Cumã, onde quase foram devorados pelos enxames de muriçocas atraídas pelo sangue novo dos padres italianos.
A comunidade de Pinheiro aguardava ansiosa pela chegada dos nove Missionários, desde que o Papa Pio XII havia criado a Prelazia, aglomerava-se à margem esquerda do Rio Pericumã, a poucos passos da Igreja de Santo Inácio, no Bairro da Matriz.
Ficaram encantados ao descobrirem a Imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração que se encontrava ao lado do altar principal da Igreja, como se ali estivesse especialmente para recebê-los e lhes dar as boas-vindas.
Faziam parte da comitiva os padres Afonso Maria Ungarelli, Cornélio Maria Dan, Fiorino Fiorini, Humberto Giungarelli, Augusto Mozzetti, Fernando Meloselli, Hamleto de Angelis, Pierpaolo Sambalino e o irmão leigo Frei Guiseppe Preziosa, que havia se incorporado ao grupo poucos meses antes em substituição a um dos missionários que por razoes até hoje desconhecidas, não pode fazer parte da expedição.
Pinheiro à essa época, embora fosse um município com extensa área territorial, era apenas um pacato vilarejo que contava com pouco maisde seis mil almas ansiosas pelas palavras e ações dos padres italianos.
80% da população não sabia ler e escrever.
Aos poucos a cidade começou a perceber a importância que os Missionários passariam a exercer no seio da comunidade. Uma língua estrangeira era ouvida em diversos espaços, as missas rezadas em latim emprestavam um novo tom à palavra de Deus, novos costumes foram sendo introduzidos e as ações começaram a ser implementadas.
Ao longo destas oito décadas de presença marcante em nosso município os missionários implementaram sua marca e transformaram a vida de todos nós. Escolas começaram a ser implementadas, as desobrigas adentraram pelos povoados mais distantes, pequenas igrejas foram sendo construídas e deram uma atenção especial à educação de nossas crianças.
Em Pouco tempo a cidade se destacava pela qualidade do ensino ministrado no Ginásio Pinheirense, onde os alunos aprendiam latim, canto orfeônico, artes e dominavam como poucos as expressões matemáticas e fluência da língua portuguesa. Os missionários formaram e capacitaram as professoras e mais tarde implantaram o Colégio Pinheirense com o objetivo de formar os futuros cidadãos da nossa terra.
Dom Afonso, empoderado no cargo de Bispo da Prelazia de Pinheiro, comandava as ações da Congregação nos outros municípios da Baixada e Litoral Norte. Foi responsável pela construção do Patronato São Tarcísio que abrigou durante décadas os meninos provenientes dos municípios vizinhos.
Foi também dele a iniciativa da vinda das freiras da Ordem Filhas de Nossa Senhora do Sagrado Coração, que comandadas pelas irmãs Vera e Dulce vieram para se ocupar sobretudo do ensino das meninas,culminando com a criação do Internato Santa Marta que abrigava as meninas mais carentes e, sobretudo, oriundas de municípios outros que compunham a Prelazia de Pinheiro.
Tempos mais tarde implementaram as turmas mistas onde alunos e alunas conviviam em perfeita harmonia e respeito mútuo. Aulas de francês eram naturalmente ensinadas e a qualidade da educação passoua ser referência em todo o estado do Maranhão. Ex-alunos do Colégio Pinheirense eram aprovados nas melhores Universidades do País, algo impensável para a grande maioria dos jovens de nossa terra.
A preocupação com a saúde pública e a busca pela implantação do primeiro Hospital no pedaço Norte do estado fez com que a Congregação partisse em busca de recursos na Itália, através de doações, para iniciar a construção do Hospital Nossa Senhora das Mercês.
O braço social da Congregação, conduzido pelo padre Nicolau, passou a ter grande importância e foi com a chegada do padre Luigi Risso no início da década de sessenta, que as ações foram potencializadas.Com seu temperamento explosivo, (em batizado celebrado por ele, criança não chorava... e não tinha foguete!) Padre Risso era uma voz vibrante em defesa dos mais carentes (*) e com seu coração que transbordava bondade dedicou sua vida ai bambini piccoli que tanto abrigou.
Atrevo-me a dizer que nenhum prefeito de Pinheiro trabalhou tanto pela sua terra quanto aqueles missionários. Padre Luigi Risso, que aportou em Pinheiro em 1960, construiu com seu próprio suor, mas de trinta escolas, uma dezena de Jardins de Infância, quase quarenta igrejas, abriu estradas, construiu pontes, sistemas de abastecimento de água e foi ele o pedreiro, eletricista, encanador e pintor que construiu o Hospital Nossa Senhora das Mercês.
Durante algum tempo, sempre que as eleições municipais se aproximavam ele era lembrado como um candidato que seria imbatível nas urnas. Mas essa não era a sua Missão.
Mais tarde, quando Beth Soares, minha mulher era a presidente da APAE no Maranhão, foi o padre Risso que se juntou para buscar recursos, edificar e manter por muitos anos a Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Pinheiro.
Por fim, agradecemos a Deus. Ele, sim foi o grande arquiteto desta obra que hoje reverenciamos e rogamos a Ele que nos permita garantir meios para que ela se perpetue em nossa terra.
Obrigado Senhor!
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